domingo, 27 de maio de 2007

Poder e promiscuidade da virente moeda

Diário Catarinense - 26/05/2007 - Coluna de Fábio Brüggemann

Circula na Internet uma narrativa bem-humorada do estudante de engenharia ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina, João Wendel, sobre uma palestra proferida pelo governador Luiz Henrique da Silveira na Fiesc, logo após a Operação Moeda Verde. Apenas a ida do chefe do governo ao encontro dos "concretadores" da Ilha de Nossa Senhora dos Aterros já é uma demonstração mais do que cabal (sem contar o jantar de desagravo onde o governador brindou com um dos presos suspeitos da operação, o senhor Fernando Marcondes de Matos) de qual lado ele se encontra. E para os que pensam um pouco mais, o fato em si mostra que não é ao lado da preservação da natureza que o chefe do governo está.

Até aí tudo bem. Em estados democráticos, os governos têm todo o direito de dizer o que pensam, mas também têm o mesmo direito de ouvir a sociedade toda que o elegeu. Chamado para "palestrar" aos "concretadores" da cidade, foi celerado. Porém, desde que assumiu o poder, chamado a conversar inúmeras vezes com os produtores de cultura, jamais compareceu, certamente porque sabe que ouvirá o que não quer. Isso denota a falta de visão de um governante, porque não foi eleito apenas para ouvir aqueles que financiam a sua campanha, mas também para escutar uma classe completamente desprezada em seu governo, que são os que, de alguma forma, questionam, pensam, refletem, fazem teatro, escrevem, pintam, criam imagens ou dançam, como o Cena Onze, por exemplo, que lotou o Sesc Pinheiros em São Paulo no final de semana passada durante as três noites que se apresentou. Essa gente que o governador se recusa a receber quer apenas propor uma política pública para a cultura que seja pautada nos interesses do estado e não nos de seu governo.

O estudante da UFSC relata ainda que durante a tal "palestra", denominada "Pensando a cidade", o material de trabalho, além das duas folhas em branco e uma caneta (o material mais útil, segundo Wendel) havia propaganda de empresas que vendem elevadores, pregos, parafusos, aço e cimento. Não seria melhor, questiona um amigo, diante disso, mudar o nome da palestra para "Concretando a cidade?"

Com duas horas de atraso, continua Wendel, "(isso que é respeito pelo povo!) chega a 'noiva', seguida de uma tripa de puxa-saco. Sem brincadeira, eram uns 20 seguindo ele auditório abaixo, parecia que estavam segurando a grinalda da criança". A mesa, continua o estudante, era formada por quase a lista completa dos presos pela Polícia Federal. Não que eles sejam "culpados" por alguma irregularidade, imaginem, até porque enquanto o processo não chega ao final, são apenas "suspeitos". Mas o que intriga é essa promiscuidade dos construtores com alguém que, eleito para defender os interesses de todos os cidadãos, se preocupa em afirmar que a operação virente moeda foi "pirotécnica". Deveria, reza o bom senso, manter-se no mínimo isento até a conclusão final do processo, para aí então se manifestar.

Por fim, o relato de Wendel diz: "20h50min - Aparecem palmas quando o cara [o presidente do Sindicato dos Construtores] se empolga metendo pau na Polícia Federal. Pela contagem das palmas, concluí que 2/3 da platéia era formada de puxa-sacos e empresários. O outro 1/3 da platéia que não bateu palmas era formado por estudantes, professores e outras pessoas com cérebro". Este um terço de "cerebrados" ainda é pouco para pensar a cidade, antes que ela se transforme de vez numa enorme selva de pedra cercada de aterros por todos os lados.

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